sexta-feira, março 02, 2007

Juca Kfouri falando sobre Jornalismo

O jornalista Juca Kfouri deu uma palestra nesta última quinta-feira para o programa de treinamento da Folha. Confira um resumo feito por Ana Estela de Sousa Pinto com as principais dicas.

Olhar estrangeiro e o pé do
Pelé

Jornalistas ficam tão acostumados com o tema que cobrem que
acham tudo normal. Quando comecei a cobrir futebol, fiquei chocado com o pé dos
atletas: cheios de bolhas, olho-de-peixe, dedo sem unha. Propus uma pauta sobre
isso e todo mundo riu. Fui para casa injuriado. Três dias depois, a ficha caiu:
eles eram uns idiotas. Eu tinha 24 anos, ia ao estádio havia pelo menos 15, via
todos os jogos, lia tudo o que saía sobre o assunto e nem tinha idéia que os pés
dos jogadores fossem tão estourados. Assim como eu, os 400 mil leitores não
sabiam, e era para eles que eu tinha que escrever. Publicamos uma foto do pé do
Pelé com o título “De quem é esse pé?”. A matéria ganhou prêmios e ainda
lançamos uma nova moda: pedicuros no futebol.

Investigando
a melhor cadeira
Não há diferença entre jornalismo investigativo no
esporte ou em qualquer outra área. Se te mandarem fazer uma reportagem
sobre decoração, você vai ter que investigar qual a melhor cadeira, qual o
melhor sofá. Em qualquer editoria, o jornalista faz a mesma coisa: pesquisa,
investiga e conta uma história.

Olhos nos
olhos
Se você está fazendo uma investigação que pode afetar a vida
de alguém, procure entrevistá-la pessoalmente e não por telefone. Por mais que
isso seja desconfortável. Cara a cara, é muito mais fácil perceber o grau de
sinceridade de cada resposta.

Posso
gravar?
Sempre que possível, grave suas entrevistas, mas o ideal é
que o entrevistado sempre saiba que você está gravando. Jornalista é
jornalista. Não é policial, delegado, promotor nem juiz. Tem que usar as
ferramentas que possui e assumir os riscos.

Com você eu não
falo
Algumas fontes não vão te dar entrevista, seja ao vivo, seja
por telefone, gravando ou sem gravar. O recurso é conseguir as informações pelas
bordas e reunir o máximo de documentos possível.

Escreveu,
não leu...
Quando não puder gravar uma entrevista, há sempre o risco
de as anotações serem imprecisas. Não tenha vergonha de perguntar de novo. Se
tiver dúvidas na hora de escrever, ligue e pergunte mais uma vez.


A fonte pode ler o texto antes de ser
publicado?
Em termos. É preciso ficar sempre claro que ela não
poderá alterar sua reportagem. Muitas vezes é até bom que a fonte tenha a chance
de garantir que você está reproduzindo exatamente o que ela disse. Outra
ressalva: eu só checo com a fonte as declarações dela. Nunca mostro a minha
interpretação sobre o que ela disse –por exemplo, a abertura de uma
entrevista.

Mudar o mundo
Jornalista que não
tem a pretensão de mudar o mundo errou de profissão. Nosso papel é pôr o dedo na
ferida, apontar o que está errado. É solitário, pois entre o amigo e a notícia,
eu fico com a notícia.

Isso é fácil pra você, que é o Juca
Kfouri
Não tem governo, não tem amigo, não tem anunciantes. Tem a
notícia. Tem o leitor.
Isso é para ser cumprido a ferro e fogo. Alguém pode
dizer “ah, isso é fácil pra você, que é o Juca Kfouri”.
Mas eu sou Juca
Kfouri hoje. Quando comecei, era só o Juca. O Clóvis Rossi, quando começou, era
só o Clóvis. O Elio Gaspari, quando começou, era só o Elio. Eu sou o Juca Kfouri
hoje porque nunca rompi com meus princípios.

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